"O amor quer o monopólio das faculdades da alma." Schiller

quarta-feira, 7 de julho de 2010

De... Florbela Espanca

À MORTE

Morte, minha Senhora Dona Morte,


Tão bom que deve ser o teu abraço!

Lânguido e doce como um doce laço

E como uma raiz, sereno e forte.



Não há mal que não sare ou não conforte

Tua mão que nos guia passo a passo,

Em ti, dentro de ti, no teu regaço

Não há triste destino nem má sorte.



Dona Morte dos dedos de veludo,

Fecha-me os olhos que já viram tudo!

Prende-me as asas que voaram tanto!



Vim da Moirama, sou filha de rei,

Má fada me encantou e aqui fiquei

À tua espera... quebra-me o encanto
 
 
 
 
A FLOR DO SONHO
 
A flor do sonho, alvíssima, divina


Miraculosamente abriu em mim,

Como se uma magnólia de cetim

Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina.

E não posso entender como é que, enfim,

Essa tão rara flor abriu assim!...

Milagre... fantasia... ou talvez, sina....

Ó flor, que em mim nasceste sem abrolhos,

Que tem que sejam tristes os meus olhos

Se eles são tristes pelo amor de ti?!...

Desde que em mim nasceste em noite calma,

Voou ao longe a asa da minh´alma

E nunca, nunca mais eu me entendi...



PRINCESA DESALENTO



Minh'alma é a Princesa Desalento,

Como um Poeta lhe chamou, um dia.

É revoltada, trágica, sombria,

Como galopes infernais de vento!



É frágil como o sonho dum momento,

Soturna como preces de agonia,

Vive do riso duma boca fria!

Minh'alma é a Princesa Desalento...



Altas horas da noite ela vagueia...

E ao luar suavíssimo, que anseia,

Põe-se a falar de tanta coisa morta!



O luar ouve a minh'alma, ajoelhado,

E vai traçar, fantástico e gelado,

A sombra duma cruz à tua porta...









OS VERSOS QUE TE FIZ



Deixa dizer-te os lindos versos raros

Que a minha boca tem pra te dizer!

São talhados em mármore de Paros

Cinzelados por mim pra te oferecer.



Têm dolências de veludos caros,

São como sedas brancas a arder...

Deixa dizer-te os lindos versos raros

Que foram feitos pra te endoidecer!



Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...

Que a boca da mulher é sempre linda

Se dentro guarda um verso que não diz!



Amo-te tanto! E nunca te beijei...

E, nesse beijo, Amor, que eu te não dei

Guardo os versos mais lindos que te fiz!





FRIEZA



Os teus olhos são frios como as espadas,

E claros como os trágicos punhais,

Têm brilhos cortantes de metais

E fulgores de lâminas geladas.



Vejo neles imagens retratadas

De abandonos cruéis e desleais,

Fantásticos desejos irreais,

E todo o oiro e o sol das madrugadas!



Mas não te invejo, Amor, essa indif'rença,

Que viver neste mundo sem amar

É pior que ser cego de nascença!



Tu invejas a dor que vive em mim!

E quanta vez dirás a soluçar:

"Ah, quem me dera, Irmã, amar assim!...





O TEU SEGREDO



O mundo diz-te alegre porque o riso

Desabrocha em tua boca, docemente

Como uma flor de luz! Meigo sorriso

Que na tua boca poisa alegremente!



Chama-te o mundo alegre. Ai, meu amor,

Só eu inda li bem nessa alegria!...

Também parece alegre a triste cor

Do sol, à tarde, ao despedir-se o dia!...



És triste; eu sei. Toda suavidade

Tão roxa, como é roxa uma saudade

É a tua alma, amor, cheia de mágoa.



Eu sei que és triste, sei. O meu olhar

Descobriu o segredo, que a cantar

Repoisa nos teus olhos rasos d'água!



VERSOS

Versos! Versos! Sei lá o que são versos...

Pedaços de sorriso, branca espuma,

Gargalhadas de luz. cantos dispersos,

Ou pétalas que caem uma a uma.



Versos!... Sei lá! Um verso é teu olhar,

Um verso é teu sorriso e os de Dante

Eram o seu amor a soluçar

Aos pés da sua estremecida amante!



Meus versos!... Sei eu lá também que são...

Sei lá! Sei lá!... Meu pobre coração

Partido em mil pedaços são talvez...



Versos! Versos! Sei lá o que são versos..

Meus soluços de dor que andam dispersos

Por este grande amor em que não crês!...





SOL POSTO



Sol posto. O sino ao longe dá Trindades

Nas ravinas do monte andam cantando

As cigarras dolentes... E saudades

Nos atalhos parecem dormitando...



É esta a hora em que a suave imagem

Do bem que já foi nosso nos tortura

O coração no peito, em que a paisagem

Nos faz chorar de dor e d'amargura...



É a hora também em que cantando

As andorinhas vão p'lo meio das ruas

Para os ninhos, contentes, chilreando...



Quem me dera também, amor, que fosse

Esta a hora de todas a mais doce

Em que eu unisse as minhas mãos às tuas!...
 
 
 
 

"Minha boca tem rosas desmaiadas,

E as minhas pobres mãos são maceradas

Como vagas saudades de doentes..."
 
 
 
 
 
REALIDADE




Em ti o meu olhar fez-se alvorada,

E a minha voz fez-se gorjeio de ninho,

E a minha rubra boca apaixonada

Teve a frescura pálida do linho.



Embriagou-me o teu beijo como um vinho

Fulvo de Espanha, em taça cinzelada,

E a minha cabeleira desatada

Pôs a teus pés a sombra dum caminho.



Minhas pálpebras são cor de verbena,

Eu tenho os olhos garços, sou morena,

E para te encontrar foi que eu nasci...



Tens sido vida fora o meu desejo,

E agora, que te falo, que te vejo,

Não sei se te encontrei, se te perdi...

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