"O amor quer o monopólio das faculdades da alma." Schiller

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Delírio



Nua, mas para o amor não cabe o pejo

Na minha a sua boca eu comprimia.

E, em frêmitos carnais, ela dizia:

– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!



Na inconsciência bruta do meu desejo

Fremente, a minha boca obedecia,

E os seus seios, tão rígidos mordia,

Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.



Em suspiros de gozos infinitos

Disse-me ela, ainda quase em grito:

– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.



No seu ventre pousei a minha boca,

– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,

Moralistas, perdoai! Obedeci...




A Alvorada do Amor



Um horror, grande e mudo, um silêncio profundo

No dia do Pecado amortalhava o mundo.

E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo

Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,

Disse:



Chega-te a mim! entra no meu amor,

E e à minha carne entrega a tua carne em flor!

Preme contra o meu peito o teu seio agitado,

E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!

Abençôo o teu crime, acolho o teu desgôsto,

Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!



Vê tudo nos repele! a tôda a criação

Sacode o mesmo horror e a mesma indignação...

A cólera de Deus torce as árvores, cresta

Como um tufão de fogo o seio da floresta,

Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;

As estrêlas estão cheias de calefrios;

Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu...



Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,

Sôbre a tua nudez a cabeleira! Vamos!

Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;

Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;

Surjam feras a uivar de todos os caminhos;

E, vendo-te a sangrar das urzes através,

Se amaranhem no chão as serpes aos teus pés...

Que importa? o Amor, botão apenas entreaberto,

Ilumina o degrêdo e perfuma o deserto!

Amo-te! sou feliz! porque, do Éden perdido,

Levo tudo, levando o teu corpo querido!



Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar:

Tudo renascerá cantando ao teu olhar,

Tudo, mares e céus, árvores e montanhas,

Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas!

Rosas te brotarão da bôca, se cantares!

Rios te correrão dos olhos, se chorares!

E se, em tôrno ao teu corpo encantador e nú,

Tudo morrer, que importa? A natureza és tu,

Agora que és mulher, agora que pecaste!

Ah! bendito o momento em que me revelaste

O amor com teu pecado, e a vida com o teu crime!

Porque, livre de Deus, redimido e sublime,

Homem fico na terra, luz dos olhos teus,

Terra, melhor que o Céu! homem maior que Deus!




Olavo Bilac

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