"O amor quer o monopólio das faculdades da alma." Schiller

terça-feira, 13 de julho de 2010

VENTO QUENTE


Lamento cego no vento, dias lunares de inverno,

Infância, os passos se perdem discretos em negra sebe,

Longo toque noturno.

Discreta vem a noite branca,



Transforma em sonhos purpúreos tormento e dor

Da vida pedregosa,

Para que nunca o espinho deixe o corpo em decomposição.



Profunda em sono suspira a alma angustiada,



Profundo o vento em árvores destruídas,

E a figura de lamento da mãe

Vagueia pela floresta solitária



Desse luto silente; noites

Repletas de lágrimas, de anjos de fogo.

Prateado, espatifa-se contra a parede nua um esqueleto de criança.




À IRMÃ

Para onde vais será outono e tarde,

Veado azul que sob árvores soa,

Solitário lago na tarde.



Baixo o vôo dos pássaros soa,

Sobre teus olhos a melancolia dos arcos,

Teu leve sorriso soa.



Das tuas pálpebras Deus fez arcos.

Estrelas procuram à noite, filha de sexta-feira santa,

Na tua fronte, os arcos.



PROXIMIDADE DA MORTE


Oh, a tarde, que vai às sombrias aldeias da infância.

O lago sob os salgueiros

Enche-se de suspiros empestados de melancolia.



Oh, a floresta, que baixa discreta os olhos castanhos,

Quando das mãos magras do solitário

Cai a púrpura de seus dias extasiados.



Oh, a proximidade da morte. Oremos.

Nesta noite em travesseiros momos

E amarelados de incenso soltam-se os membros frágeis dos amantes



CANÇAO DE KASPAR HAUSER

Ele de fato amava o sol que descia a colina purpúreo,

Os caminhos da floresta, o canto do pássaro negro

E a alegria do verde. ,



Sisuda era sua morada à sombra da árvore

E puro o seu rosto.

Deus disse ao seu coração uma doce chama:

Homem!



Tranqüilo, o seu passo encontrou a cidade à noite;

O lamento sombrio de sua boca:

Quero tomar-me cavaleiro.



Seguiram-no porém arbusto e animal,

Casa e jardim crepuscular de gente branca,

E procurava-o seu assassino.



Primavera, verão e belo o outono

Do justo, seu passo leve

Pelos quartos escuros de sonhadores.

À noite ficava sozinho com sua estrela;



Viu que nevava em galhos nus,

E a sombra do assassino no tenebroso vestíbulo da casa.



Prateada, tombou a cabeça do não-nascido.



AOS EMUDECIDOS

Oh, a loucura da cidade grande, quando ao entardecer

Árvores atrofiadas fitam inertes ao longo do muro negro

Que o espírito do mal observa com máscara prateada;

A luz, com açoite magnético, expulsa a noite pétrea.

Oh, o repicar perdido dos sinos da tarde.



A puta, em gélidos calafrios, pare uma criança morta.

A cólera de Deus chicoteia enfurecida a fronte do possesso,

Epidemia purpúrea, fome que despedaça olhos verdes.

Oh, o terrífico riso do ouro.



Mas quieta em caverna escura sangra muda a humanidade,

Constrói de duros metais a cabeça redentora.



 
SEBASTIÃO NO SONHO

A mãe teve a criança sob a lua branca,

À sombra da nogueira, do sabugueiro secular,

Embriagada pela seiva da papoula, do lamento do melro; .

E silencioso



Sobre elas inclinava-se piedoso um rosto barbado,



Discreto, na escuridão da janela; e velharias

Dos antepassados

Jaziam podres. arnor e fantasia outonal.



Escuro o dia do ano, triste infância,

Quando o rapaz desceu às águas frias, peixes prateados,

Quietude e semblante;

Quando petrificado jogou-se aos corcéis em disparada,

E em noite cinzenta sua estrela vinha sobre ele.



Ou quando pela mão fria da mãe

À tardinha passava pelo outonal cemitério de São Pedro;

Um frágil cadàver jazia inerte no escuro da câmara

E erguia sobre este as pálpebras geladas



Mas ele era um pequeno pássaro em galhos nus,

O sino ao longo do novembro da noite,

O silêncio do pai, dorrnindo ao descer a espiral crepuscular.



Paz da alma. Noite de invemo solitário,

As escuras sombras dos pastores no velho lago;

Criança na cabana de palha; quão discreta

Baixava o rosto em febre negra.



Noite sagrada.

Ou quando pela bruta mão do pai

Subi em silêncio o sinistro Monte Calvário

E em crepusculares nichos dos rochedos

A figura azul do Homem passava pela sua lenda,

E da ferida sob o coração corria o sangue purpúreo.

Oh, com que leveza erguia-se a cruz na alma sombria.



Amor; quando em recantos escuros derretia a neve,

Uma brisa azul aninhava-se alegre no velho sabugueiro,

Na abóbada de sombras da nogueira;

E à criança aparecia devagar um anjo rosado. .



Alegria quando em quartos frios soava uma sonata noturna

Nas vigas de madeira marrom '

Saía da crisálida prateada.



Oh, a proximidade da morte! Em muro de pedra

Inclinava-se uma cabeça amarela, a criança muda,

Quando naquele mês de março caía a lua.



Róseo sino de Páscoa na abóbada tumular da noite

E as vozes prateadas das estrelas

Fizeram descer da fronte do adormecido uma sombria loucura

[em calafrios.



Oh, tão silencioso um passeio pelo rio azul abaixo

Lembrandoo esquecido, quando nos galhos verdes

O melro chamava ao ocaso um desconhecido.



Ou quando pela magra mão do ancião

Passava à noite ante o muro em ruínas da cidade

E aquele de casaco negro levava uma criança rosada,

E à sombra da nogueira aparecia o espírito do mal.



Tatear os verdes degraus do verão. Oh, tão silenciosa

Ruína do jardim no silêncio marrom do outono,

Odor e melancolia do velho sabugueiro,

Quando na sombra de São Sebastião expirava a voz prateada do anjo.




CALMA E SILÊNCIO

Pastores enterraram o sol na floresta nua.

Um pescador puxou a lua

Do lago gelado em áspera rede.



No cristal azul

Mora o pálido Homem, o rosto apoiado nas suas estrelas;

Ou curva a cabeça em sono purpúreo.



Mas sempre comove o vôo negro dos pássaros

Ao observador, santidade de flores azuis.

O silêncio próximo pensa no esquecido, anjos apagados.



De novo a fronte anoitece em pedra lunar;

Um rapaz irradiante

Surge a irmã em outono e negra decomposição.




NASCIMENTO

Montanhas: negror, neblina e neve.

Vermelha, a caça desce a floresta;

Oh, os olhares de musgo da presa.



Silêncio da mãe; sob pinheiros negros

Abrem-se as mãos dormentes

Quando, vencida, aparece a fria lua.



Oh, o nascimento do Homem. Noturna murmura

A água azul no fundo da rocha;

O anjo decaído olha em suspiros sua imagem,



E pálido corpo desperta em câmara úmida.

Duas luas



Iluminam os olhos da anciã pétrea.



Dor, grito que dá à luz. Com asa negra

A noite toca a têmpora do menino,

Neve que desce de nuvem purpúrea.




Georg Trakl









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