"O amor quer o monopólio das faculdades da alma." Schiller

sexta-feira, 7 de maio de 2010

PERSONAGEM - Cecília Meireles

TEU NOME é quási indiferente


e nem teu rôsto já me inquieta.

A arte de amar é exatamente

a de ser poeta.

Para pensar em ti, me basta

o próprio amor que por ti sinto:

és a idea, serena e casta,

nutrida do enigma do instinto.

O lugar da tua presença

é um deserto, entre variedades:

mas nêsse deserto é que pensa

o olhar de tôdas as saüdades.

Meus sonhos viajam rumos tristes

e, no seu profundo universo,

tu, sem forma e sem nome, existes,

silencioso, obscuro, disperso.

Tôdas as máscaras da vida

se debruçam para o meu rôsto,

na alta noite desprotegida

em que experimento o meu gôsto.

Todas as mãos vindas ao mundo

desfalecem sôbre o meu peito,

e escuto o suspiro profundo

de um horizonte insatisfeito.

Oh! que se apague a bôca, o riso,

o olhar dêsses vultos precários,

pelo improvável paraíso

dos encontros imaginários!

Que ninguém e que nada exista,

de quanto a sombra em mim descansa:

— eu procuro o que não se avista,

dentre os fantasmas da esperança!

Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,

teu coração, tua existência,

tudo — o espaço evita e consome:

e eu só conheço a tua ausência.

Eu só conheço o que não vejo.

E, nêsse abismo do meu sonho,

alheia a todo outro desejo,

me decomponho e recomponho...

Nenhum comentário:

Postar um comentário