"O amor quer o monopólio das faculdades da alma." Schiller

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

"Existe em mim um qualquer

defeito, uma qualquer hesitação fatal, que, se não lhe prestar

atenção, se transforma em espuma e falsidade. Contudo, mal

consigo acreditar que não possa vir a ser um grande poeta. Se

o que escrevi ontem à noite não é poesia, então o que é? Serei

demasiado rápido, demasiado fácil? Não sei. Às vezes não me

conheço, chegando mesmo a não saber como medir, contar e

classificar os grãos que compõem aquilo que sou.

Há algo que me abandona; algo que se afasta de mim e vai ao

encontro da figura que se aproxima, o que me faz ter a certeza

de a conhecer, mesmo antes de ver quem é. Como é curioso o

modo como nos transformamos na presença de um amigo - mesmo

que este esteja longe. Como é útil o serviço que os amigos nos

prestam quando nos procuram. No entanto, como é doloroso

vermos o nosso eu adulterado, misturado, como que fazendo

parte de outra criatura."





"É tão estranho sentir que a linha que se estende a partir de

nós vai avançando ao longo dos espaços enevoados que

constituem o mundo exterior."





"As minhas raízes atravessam veios de chumbo e prata, locais

húmidos e pântanos que exalam odores, até atingirem um nó

feito de raízes de carvalho, bem no centro do mundo. Surdo e

cego, com os ouvidos cheios de terra, mesmo assim escutei

rumores de guerras; e também de rouxinóis; senti o som dos

passos de inúmeras colunas de soldados precipitandoprecipitando-se em

defesa da civilização, mais ou menos como se fossem aves

migratórias em busca do Verão; vi mulheres transportando

ânforas vermelhas até às margens do Nilo. Acordei num jardim,

com uma pancada na nuca e um beijo quente; era a Jinny.

Lembro-me de tudo isto como alguém que se lembra de gritos

confusos e do desmoronar de colunas negras e vermelhas no

decorrer de um qualquer confronto nocturno. Não paro de dormir

e de acordar. Ora durmo; ora acordo."





"Regresso, qual raposa ou gato em cujas peles a geada deixou

manchas cinzentas e cujas patas endureceram devido ao contacto

com a terra dura. Abro caminho através das couves, o que faz

com que as suas folhas estalem e o orvalho que nelas repousa

vá caindo aos poucos."





"Contudo, a porta não pára de se abrir e as

pessoas vão entrando; avançam todas na minha direcção. Com

sorrisos falsos, destinados a disfarçar a crueldade, a

indiferença, apoderam-se de mim. A andorinha molha as asas; a

Lua passeia solitária através de oceanos azuis. Sou obrigada a

lhes apertar a mão; sou obrigada a responder. Mas que resposta

deverei dar? Sou obrigada a usar este corpo desajeitado, sem

graça, e a aceitar as suas manifestações de desprezo, de

indiferença, eu, que sonho com colunas de mármore e lagos

situados no outro lado do mundo, onde as andorinhas molham as

asas."





"Odeio todos os pormenores da vida individual.

Contudo, sou obrigada a escutá-los. Sinto em mim uma enorme

pressão. Não me posso mover sem deslocar o peso de séculos.

Sinto-me espicaçada por um milhão de setas. O desprezo e o

sentido do ridículo não param de me dar alfinetadas. Eu, que

seria capaz de enfrentar o granizo, e, com toda a alegria,

deixar o granizo sufocar-me, estou como presa neste local;

sinto-me exposta. O tigre salta. As línguas, semelhantes a

chicotes, não param de me atingir. Ágeis, incessantes, não

param de me bater. Tenho de fingir e mantê-los à distância

com mentiras. Qual será o amuleto capaz de me proteger deste

desastre?"
 
 
V.W.

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