"O amor quer o monopólio das faculdades da alma." Schiller

terça-feira, 24 de agosto de 2010

"Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,   
Dizendo coisas que ninguém entende!  
Da tua cantilena se desprende  
Um sonho de magia e de pecados.
Dos teus pálidos dedos delicados  
Uma alada canção palpita e ascende,  
Frases que a nossa boca não aprende,  
Murmúrios por caminhos desolados.
Pelo meu rosto branco, sempre frio,  
Fazes passar o lúgubre arrepio  
Das sensações estranhas, dolorosas…
Talvez um dia entenda o teu mistério…  
Quando, inerte, na paz do cemitério,  
O meu corpo matar a fome às rosas!"


 "Para aqueles fantasmas que passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O vôo dum gesto para os alcançar...

Se as minhas mãos em garra se cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar...
- Quantas panteras bárbaras mataram
Só pelo raro gosto de matar!

Minh’ alma é como a pedra funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus!

O amor dum homem? - Terra tão pisada,
Gota de chuva ao vento baloiçada...
Um homem? - Quando eu sonho o amor de um Deus!..."


"Se me ponho a cismar em outras eras
em que ri e cantei, em que era q'rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!"

Florbela Espanca

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