"O amor quer o monopólio das faculdades da alma." Schiller

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Para uma Amiga Irmã

Te escrevo agora da melhor forma que consigo
Perdoe-me por ser um mero improviso...
Amiga, minha Irmã tão amada!
Não te encantes com a morte,
No abraço dela há má sorte,
E teus amores o fim da alvorada...

Te escrevo agora da melhor forma que consigo
Que não nos deixe assim tão cedo...
Amiga, tua falta não será recuperada!
E a morte é nossa amiga,
que aos outros é triste cantiga.
E a alegria é tua cabeleira ensolarada...

Jamais deixaria te ir para longe,
E para o longo caminho da morte,
Eu não suportaria te ver partir!
E se não houver paz?
De que valerá tanto sofrimento,
Já que a recompensa é tu quem faz!

Nós jovens temos tanta pressa...
A ideia da morte agora, cessa!
Tua alma ainda irá tranquila dormir,
Cansada por muitos anos que estão por vir!
Que adianta tudo isto ser um inferno...
E agora honrando o nosso feliz deboche:

Abraçaremos com ardor o demónio!
Em meio ao lixo de nada vale ser flor,
Nosso perfume confunde-se em fedor!
Mas se por um erro natural nasceram,
Nós, as aberrações! Sejamos nós então,
As aberrações mais unidas... estou contigo!


Com carinho para a minha Amiga Irmã Aberração...
 EW

terça-feira, 27 de julho de 2010

Arquitetura Funcional


Não gosto da arquitetura nova,


Porque a arquitetura nova não faz casas velhas

Não gosto das casas novas

Porque casas novas não têm fantasmas

E, quando digo fantasmas, não quero dizer essas

Assombrações vulgares

Que andam por aí...

É não-sei-quê de mais sutil

Nessas velhas, velhas casas,

Como, em nós, a presença invisível da alma... Tu nem sabes

A pena que me dão as crianças de hoje!

Vivem desencantadas como uns órfãos:

As suas casas não têm porões nem sótãos,

São umas pobres casas sem mistério.

Como pode nelas vir morar o sonho?

O sonho é sempre um hóspede clandestino e é preciso

Ocultá-lo das outras pessoas da casa,

É preciso ocultá-lo dos confessores,

Dos professores,

Até dos Profetas

E as casas novas não têm ao menos aqueles longos,

Intermináveis corredores

Que a Lua vinha às vezes assombrar!




Mário Quintana

domingo, 18 de julho de 2010

Conclusões de um domingo chuvoso


Caminhos feitos, mãos calejadas

Mudanças acontecem, sem avisos

Esforços enormes, desperdiçados

Promessas feitas, depois quebradas



Planos eternos, pura ilusão

A morte sim, melhor solução

Otimismo! O pior inimigo

Paz um ideal, fé um bom lucro.
 
 
 EW




Música!
 
A música que nos faz retornar aos tempos mais longínquos, tempos esquecidos, tempos passados que nos permitem entender o atual, que enriquecem o intelecto e o espírito.
A música que é cultura expressa na mais bela arte, arte que retorna a sua raiz: a natureza.
Música é uma arte de paisagens e viagens, sem legendas entendemos o mesmo sentimento.
A dor que é também arte abstrata, iguala-se a arte abstrata da música que toca o ódio, a revolta e a vingança. Os instrumentos em mãos violentas que tocam como quem marcha à guerra, quem luta, e a boca que nasce para cantar a guerra. É a arte da guerra, são músicas de batalhas inúmeras.

EW


“A nossa música é composta como uma viagem através de diferentes paisagens e sentimentos. Uma canção é como uma tela para uma pintura - instrumentos são como pincéis que desenham uma visão para o interior. Usamos livremente os instrumentos para alcançar o que queremos sentir numa canção, não há nenhuma forma correta ou seguida para tocar. É a sensação que nos importa” Tenhi

“Até então, estava claro para mim que Forseti nunca iria usar instrumentos eletrônicos, nem no estúdio nem no palco. Um arranjo puramente acústico produz muito mais calor e emoção." Andreas Ritter

“É nas crenças de origem pagã, na música e nas tradições literário-orais, mantidas através do saber popular, que subsiste a trave de ouro da tradição. Muitos desses tesouros de sabedoria não foram destruídos pela aspereza proibitiva do Cristianismo, uma vez que representam justamente as montanhas fortificadas da ordem, com a sua natureza, a sua forma e o seu poder mantidos até ao tempo presente. A glória dos nossos Deuses e heróis - ferreiros do nosso furor belli - ainda corre na incandescência solar das águas durienses, no sangue, na seiva e no vinho... enquanto o seu espírito ascende e se sublima num verdadeiro despertar, longe deste reino demencial da consumpção e da desordem.” Sangre Cavallum

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Delírio



Nua, mas para o amor não cabe o pejo

Na minha a sua boca eu comprimia.

E, em frêmitos carnais, ela dizia:

– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!



Na inconsciência bruta do meu desejo

Fremente, a minha boca obedecia,

E os seus seios, tão rígidos mordia,

Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.



Em suspiros de gozos infinitos

Disse-me ela, ainda quase em grito:

– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.



No seu ventre pousei a minha boca,

– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,

Moralistas, perdoai! Obedeci...




A Alvorada do Amor



Um horror, grande e mudo, um silêncio profundo

No dia do Pecado amortalhava o mundo.

E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo

Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo,

Disse:



Chega-te a mim! entra no meu amor,

E e à minha carne entrega a tua carne em flor!

Preme contra o meu peito o teu seio agitado,

E aprende a amar o Amor, renovando o pecado!

Abençôo o teu crime, acolho o teu desgôsto,

Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto!



Vê tudo nos repele! a tôda a criação

Sacode o mesmo horror e a mesma indignação...

A cólera de Deus torce as árvores, cresta

Como um tufão de fogo o seio da floresta,

Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios;

As estrêlas estão cheias de calefrios;

Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu...



Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu,

Sôbre a tua nudez a cabeleira! Vamos!

Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos;

Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos;

Surjam feras a uivar de todos os caminhos;

E, vendo-te a sangrar das urzes através,

Se amaranhem no chão as serpes aos teus pés...

Que importa? o Amor, botão apenas entreaberto,

Ilumina o degrêdo e perfuma o deserto!

Amo-te! sou feliz! porque, do Éden perdido,

Levo tudo, levando o teu corpo querido!



Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar:

Tudo renascerá cantando ao teu olhar,

Tudo, mares e céus, árvores e montanhas,

Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas!

Rosas te brotarão da bôca, se cantares!

Rios te correrão dos olhos, se chorares!

E se, em tôrno ao teu corpo encantador e nú,

Tudo morrer, que importa? A natureza és tu,

Agora que és mulher, agora que pecaste!

Ah! bendito o momento em que me revelaste

O amor com teu pecado, e a vida com o teu crime!

Porque, livre de Deus, redimido e sublime,

Homem fico na terra, luz dos olhos teus,

Terra, melhor que o Céu! homem maior que Deus!




Olavo Bilac

Inglória

Inglória é a vida, e inglório o conhecê-la.



Quantos, se pensam, não se reconhecem


Os que se conheceram!


A cada hora se muda não só a hora


Mas o que se crê nela, e a vida passa


Entre viver e ser.
 
 
Ricardo reis
 
 
[...]
 
"Dormir é bom; morrer, melhor; o certo, porém, seria nunca ter nascido".
"Sim, a Arte, que mora na mesma rua que a Vida, porém num lugar diferente, a Arte que alivia da vida sem aliviar de viver, que é tão monótona como a mesma vida, mas só em lugar diferente."






"Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto."






"De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo...Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter...Uma vontade morta e uma reflexão que a embala, como a um filho vivo..."






"Pesa-me, realmente me pesa, como uma condenação a conhecer, esta noção repentina da minha individualidade verdadeira, dessa que andou sempre viajando sonolentamente entre o que sente e o que vê."






"O isolamento talhou-me à sua imagem e semelhança. A presença de outra pesoa - de uma só pessoa que seja - atrasa-me imediatamente o pensamento, e, ao passo que no homem normal o contacto com outrem é um estímulo para a expressão e para o dito, em mim esse contacto é um contra-estímulo."


Bernardo Soares
Dorme enquanto eu velo...

Dorme enquanto eu velo...

Deixa-me sonhar...

Nada em mim é risonho.

Quero-te para sonho,

Não para te amar.



A tua carne calma

É fria em meu querer.

Os meus desejos são cansaços.

Nem quero ter nos braços

Meu sonho do teu ser.



Dorme, dorme, dorme,

Vaga em teu sorrir...

Sonho-te tão atento

Que o sonho é encantamento

E eu sonho sem sentir.
 
 
 
Esta espécie de loucura
 
Esta espécie de loucura

Que é pouco chamar talento

E que brilha em mim, na escura

Confusão do pensamento,

Não me traz felicidade;

Porque, enfim, sempre haverá

Sol ou sombra na cidade.

Mas em mim não sei o que há
 
 
 
O que me dói não é
 
O que me dói não é

O que há no coração

Mas essas coisas lindas

Que nunca existirão...



São as formas sem forma

Que passam sem que a dor

As possa conhecer

Ou as sonhar o amor.



São como se a tristeza

Fosse árvore e, uma a uma,

Caíssem suas folhas

Entre o vestígio e a bruma.
 
 
 
Cansa ser, sentir dói, pensar destruir
 
Cansa ser, sentir dói, pensar destruir.

Alheia a nós, em nós e fora,

Rui a hora, e tudo nela rui.

Inutilmente a alma o chora.

De que serve ? O que é que tem que servir ?

Pálido esboço leve

Do sol de inverno sobre meu leito a sorrir...

Vago sussuro breve.

Das pequenas vozes com que a manhã acorda,

Da fútil promessa do dia,

Morta ao nascer, na 'sperança longínqua e absurda

Em que a alma se fia.
 
 
 
Deixei atrás os erros do que fui
 
Deixei atrás os erros do que fui,

Deixei atrás os erros do que quis

E que não pude haver porque a hora flui

E ninguém é exato nem feliz.



Tudo isso como o lixo da viagem

Deixei nas circunstâncias do caminho,

No episódio que fui e na paragem,

No desvio que foi cada vizinho.



Deixei tudo isso, como quem se tapa

Por viajar com uma capa sua,

E a certa altura se desfaz da capa

E atira com a capa para a rua.








'Sim tudo é sonhar quanto sou e quero.

Tudo das mãos caídas se deixou.

Braços dispersos, desolado espero.

Mendigo pelo fim do desespero,

Que quis pedir esmola e não ousou.'







'Bem sei que há grandes sombras

Sobre áleas de esquecer,

Que há passos sobre alfombras

De quem não quer viver;

Mas deixa tudo às sombras,

Vive de não querer.'




Chove. Que fiz eu da vida? 
 
  Chove. Que fiz eu da vida?


Fiz o que ela fez de mim...

De pensada, mal vivida...

Triste de quem é assim!



Numa angústia sem remédio

Tenho febre na alma, e, ao ser,

Tenho saudade, entre o tédio,

Só do que nunca quis ter...



Quem eu pudera ter sido,

Que é dele? Entre ódios pequenos

De mim, estou de mim partido.

Se ao menos chovesse menos!
 
 
 
 
 
Fernando Pessoa

terça-feira, 13 de julho de 2010

VENTO QUENTE


Lamento cego no vento, dias lunares de inverno,

Infância, os passos se perdem discretos em negra sebe,

Longo toque noturno.

Discreta vem a noite branca,



Transforma em sonhos purpúreos tormento e dor

Da vida pedregosa,

Para que nunca o espinho deixe o corpo em decomposição.



Profunda em sono suspira a alma angustiada,



Profundo o vento em árvores destruídas,

E a figura de lamento da mãe

Vagueia pela floresta solitária



Desse luto silente; noites

Repletas de lágrimas, de anjos de fogo.

Prateado, espatifa-se contra a parede nua um esqueleto de criança.




À IRMÃ

Para onde vais será outono e tarde,

Veado azul que sob árvores soa,

Solitário lago na tarde.



Baixo o vôo dos pássaros soa,

Sobre teus olhos a melancolia dos arcos,

Teu leve sorriso soa.



Das tuas pálpebras Deus fez arcos.

Estrelas procuram à noite, filha de sexta-feira santa,

Na tua fronte, os arcos.



PROXIMIDADE DA MORTE


Oh, a tarde, que vai às sombrias aldeias da infância.

O lago sob os salgueiros

Enche-se de suspiros empestados de melancolia.



Oh, a floresta, que baixa discreta os olhos castanhos,

Quando das mãos magras do solitário

Cai a púrpura de seus dias extasiados.



Oh, a proximidade da morte. Oremos.

Nesta noite em travesseiros momos

E amarelados de incenso soltam-se os membros frágeis dos amantes



CANÇAO DE KASPAR HAUSER

Ele de fato amava o sol que descia a colina purpúreo,

Os caminhos da floresta, o canto do pássaro negro

E a alegria do verde. ,



Sisuda era sua morada à sombra da árvore

E puro o seu rosto.

Deus disse ao seu coração uma doce chama:

Homem!



Tranqüilo, o seu passo encontrou a cidade à noite;

O lamento sombrio de sua boca:

Quero tomar-me cavaleiro.



Seguiram-no porém arbusto e animal,

Casa e jardim crepuscular de gente branca,

E procurava-o seu assassino.



Primavera, verão e belo o outono

Do justo, seu passo leve

Pelos quartos escuros de sonhadores.

À noite ficava sozinho com sua estrela;



Viu que nevava em galhos nus,

E a sombra do assassino no tenebroso vestíbulo da casa.



Prateada, tombou a cabeça do não-nascido.



AOS EMUDECIDOS

Oh, a loucura da cidade grande, quando ao entardecer

Árvores atrofiadas fitam inertes ao longo do muro negro

Que o espírito do mal observa com máscara prateada;

A luz, com açoite magnético, expulsa a noite pétrea.

Oh, o repicar perdido dos sinos da tarde.



A puta, em gélidos calafrios, pare uma criança morta.

A cólera de Deus chicoteia enfurecida a fronte do possesso,

Epidemia purpúrea, fome que despedaça olhos verdes.

Oh, o terrífico riso do ouro.



Mas quieta em caverna escura sangra muda a humanidade,

Constrói de duros metais a cabeça redentora.



 
SEBASTIÃO NO SONHO

A mãe teve a criança sob a lua branca,

À sombra da nogueira, do sabugueiro secular,

Embriagada pela seiva da papoula, do lamento do melro; .

E silencioso



Sobre elas inclinava-se piedoso um rosto barbado,



Discreto, na escuridão da janela; e velharias

Dos antepassados

Jaziam podres. arnor e fantasia outonal.



Escuro o dia do ano, triste infância,

Quando o rapaz desceu às águas frias, peixes prateados,

Quietude e semblante;

Quando petrificado jogou-se aos corcéis em disparada,

E em noite cinzenta sua estrela vinha sobre ele.



Ou quando pela mão fria da mãe

À tardinha passava pelo outonal cemitério de São Pedro;

Um frágil cadàver jazia inerte no escuro da câmara

E erguia sobre este as pálpebras geladas



Mas ele era um pequeno pássaro em galhos nus,

O sino ao longo do novembro da noite,

O silêncio do pai, dorrnindo ao descer a espiral crepuscular.



Paz da alma. Noite de invemo solitário,

As escuras sombras dos pastores no velho lago;

Criança na cabana de palha; quão discreta

Baixava o rosto em febre negra.



Noite sagrada.

Ou quando pela bruta mão do pai

Subi em silêncio o sinistro Monte Calvário

E em crepusculares nichos dos rochedos

A figura azul do Homem passava pela sua lenda,

E da ferida sob o coração corria o sangue purpúreo.

Oh, com que leveza erguia-se a cruz na alma sombria.



Amor; quando em recantos escuros derretia a neve,

Uma brisa azul aninhava-se alegre no velho sabugueiro,

Na abóbada de sombras da nogueira;

E à criança aparecia devagar um anjo rosado. .



Alegria quando em quartos frios soava uma sonata noturna

Nas vigas de madeira marrom '

Saía da crisálida prateada.



Oh, a proximidade da morte! Em muro de pedra

Inclinava-se uma cabeça amarela, a criança muda,

Quando naquele mês de março caía a lua.



Róseo sino de Páscoa na abóbada tumular da noite

E as vozes prateadas das estrelas

Fizeram descer da fronte do adormecido uma sombria loucura

[em calafrios.



Oh, tão silencioso um passeio pelo rio azul abaixo

Lembrandoo esquecido, quando nos galhos verdes

O melro chamava ao ocaso um desconhecido.



Ou quando pela magra mão do ancião

Passava à noite ante o muro em ruínas da cidade

E aquele de casaco negro levava uma criança rosada,

E à sombra da nogueira aparecia o espírito do mal.



Tatear os verdes degraus do verão. Oh, tão silenciosa

Ruína do jardim no silêncio marrom do outono,

Odor e melancolia do velho sabugueiro,

Quando na sombra de São Sebastião expirava a voz prateada do anjo.




CALMA E SILÊNCIO

Pastores enterraram o sol na floresta nua.

Um pescador puxou a lua

Do lago gelado em áspera rede.



No cristal azul

Mora o pálido Homem, o rosto apoiado nas suas estrelas;

Ou curva a cabeça em sono purpúreo.



Mas sempre comove o vôo negro dos pássaros

Ao observador, santidade de flores azuis.

O silêncio próximo pensa no esquecido, anjos apagados.



De novo a fronte anoitece em pedra lunar;

Um rapaz irradiante

Surge a irmã em outono e negra decomposição.




NASCIMENTO

Montanhas: negror, neblina e neve.

Vermelha, a caça desce a floresta;

Oh, os olhares de musgo da presa.



Silêncio da mãe; sob pinheiros negros

Abrem-se as mãos dormentes

Quando, vencida, aparece a fria lua.



Oh, o nascimento do Homem. Noturna murmura

A água azul no fundo da rocha;

O anjo decaído olha em suspiros sua imagem,



E pálido corpo desperta em câmara úmida.

Duas luas



Iluminam os olhos da anciã pétrea.



Dor, grito que dá à luz. Com asa negra

A noite toca a têmpora do menino,

Neve que desce de nuvem purpúrea.




Georg Trakl









domingo, 11 de julho de 2010

Eu deixarei que morra em mim o desejo

de amar os teus olhos que são doces

Porque nada te poderei dar senão a mágoa

de me veres eternamente exausto

No entanto a tua presença é qualquer coisa

como a luz e a vida



E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto

e em minha voz a tua voz

Não te quero ter porque

em meu ser está tudo terminado.

Quero só que surjas em mim

como a fé nos desesperados



Para que eu possa levar uma gota de orvalho

nesta terra amaldiçoada

Que ficou sobre a minha carne

como uma nódoa do passado.

Eu deixarei ... tu irás e encostarás

a tua face em outra face



Teus dedos enlaçarão outros dedos

e tu desabrocharás para a madrugada

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,

porque eu fui o grande íntimo da noite

Porque eu encostei a minha face

na face da noite e ouvi a tua fala amorosa



Porque meus dedos enlaçaram os dedos

da névoa suspensos no espaço

E eu trouxe até mim a misteriosa essência

do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só

como os veleiros nos portos silenciosos



Mas eu te possuirei mais que ninguém

porque poderei partir

E todas as lamentações do mar,

do vento, do céu, das aves, das estrelas

Serão a tua voz presente, a tua voz ausente,

a tua voz serenizada.



Vinícius de Moraes
Chorar não resolve, falar pouco é uma virtude,

aprender a se colocar em primeiro lugar não é egoismo.

Para qualquer escolha se segue alguma consequência,

vontades efêmeras não valem a pena, quem faz uma vez,

não faz duas necessariamente,

mas quem faz dez, com certeza faz onze.





Perdoar é nobre, esquecer é quase impossível.

Quem te merece não te faz chorar, quem gosta cuida,

o que está no passado tem motivos para não fazer parte do seu presente,

não é preciso perder pra aprender a dar valor,

e os amigos ainda se contam nos dedos.





Aos poucos você percebe o que vale a pena,

o que se deve guardar pro resto da vida,

e o que nunca deveria ter entrado nela.





Não tem como esconder a verdade,

nem tem como enterrar o passado,

o tempo sempre vai ser o melhor remédio,

mas seus resultados

nem sempre são imediatos.


Charles Chaplin

quarta-feira, 7 de julho de 2010

De... Florbela Espanca

À MORTE

Morte, minha Senhora Dona Morte,


Tão bom que deve ser o teu abraço!

Lânguido e doce como um doce laço

E como uma raiz, sereno e forte.



Não há mal que não sare ou não conforte

Tua mão que nos guia passo a passo,

Em ti, dentro de ti, no teu regaço

Não há triste destino nem má sorte.



Dona Morte dos dedos de veludo,

Fecha-me os olhos que já viram tudo!

Prende-me as asas que voaram tanto!



Vim da Moirama, sou filha de rei,

Má fada me encantou e aqui fiquei

À tua espera... quebra-me o encanto
 
 
 
 
A FLOR DO SONHO
 
A flor do sonho, alvíssima, divina


Miraculosamente abriu em mim,

Como se uma magnólia de cetim

Fosse florir num muro todo em ruína.

Pende em meu seio a haste branda e fina.

E não posso entender como é que, enfim,

Essa tão rara flor abriu assim!...

Milagre... fantasia... ou talvez, sina....

Ó flor, que em mim nasceste sem abrolhos,

Que tem que sejam tristes os meus olhos

Se eles são tristes pelo amor de ti?!...

Desde que em mim nasceste em noite calma,

Voou ao longe a asa da minh´alma

E nunca, nunca mais eu me entendi...



PRINCESA DESALENTO



Minh'alma é a Princesa Desalento,

Como um Poeta lhe chamou, um dia.

É revoltada, trágica, sombria,

Como galopes infernais de vento!



É frágil como o sonho dum momento,

Soturna como preces de agonia,

Vive do riso duma boca fria!

Minh'alma é a Princesa Desalento...



Altas horas da noite ela vagueia...

E ao luar suavíssimo, que anseia,

Põe-se a falar de tanta coisa morta!



O luar ouve a minh'alma, ajoelhado,

E vai traçar, fantástico e gelado,

A sombra duma cruz à tua porta...









OS VERSOS QUE TE FIZ



Deixa dizer-te os lindos versos raros

Que a minha boca tem pra te dizer!

São talhados em mármore de Paros

Cinzelados por mim pra te oferecer.



Têm dolências de veludos caros,

São como sedas brancas a arder...

Deixa dizer-te os lindos versos raros

Que foram feitos pra te endoidecer!



Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...

Que a boca da mulher é sempre linda

Se dentro guarda um verso que não diz!



Amo-te tanto! E nunca te beijei...

E, nesse beijo, Amor, que eu te não dei

Guardo os versos mais lindos que te fiz!





FRIEZA



Os teus olhos são frios como as espadas,

E claros como os trágicos punhais,

Têm brilhos cortantes de metais

E fulgores de lâminas geladas.



Vejo neles imagens retratadas

De abandonos cruéis e desleais,

Fantásticos desejos irreais,

E todo o oiro e o sol das madrugadas!



Mas não te invejo, Amor, essa indif'rença,

Que viver neste mundo sem amar

É pior que ser cego de nascença!



Tu invejas a dor que vive em mim!

E quanta vez dirás a soluçar:

"Ah, quem me dera, Irmã, amar assim!...





O TEU SEGREDO



O mundo diz-te alegre porque o riso

Desabrocha em tua boca, docemente

Como uma flor de luz! Meigo sorriso

Que na tua boca poisa alegremente!



Chama-te o mundo alegre. Ai, meu amor,

Só eu inda li bem nessa alegria!...

Também parece alegre a triste cor

Do sol, à tarde, ao despedir-se o dia!...



És triste; eu sei. Toda suavidade

Tão roxa, como é roxa uma saudade

É a tua alma, amor, cheia de mágoa.



Eu sei que és triste, sei. O meu olhar

Descobriu o segredo, que a cantar

Repoisa nos teus olhos rasos d'água!



VERSOS

Versos! Versos! Sei lá o que são versos...

Pedaços de sorriso, branca espuma,

Gargalhadas de luz. cantos dispersos,

Ou pétalas que caem uma a uma.



Versos!... Sei lá! Um verso é teu olhar,

Um verso é teu sorriso e os de Dante

Eram o seu amor a soluçar

Aos pés da sua estremecida amante!



Meus versos!... Sei eu lá também que são...

Sei lá! Sei lá!... Meu pobre coração

Partido em mil pedaços são talvez...



Versos! Versos! Sei lá o que são versos..

Meus soluços de dor que andam dispersos

Por este grande amor em que não crês!...





SOL POSTO



Sol posto. O sino ao longe dá Trindades

Nas ravinas do monte andam cantando

As cigarras dolentes... E saudades

Nos atalhos parecem dormitando...



É esta a hora em que a suave imagem

Do bem que já foi nosso nos tortura

O coração no peito, em que a paisagem

Nos faz chorar de dor e d'amargura...



É a hora também em que cantando

As andorinhas vão p'lo meio das ruas

Para os ninhos, contentes, chilreando...



Quem me dera também, amor, que fosse

Esta a hora de todas a mais doce

Em que eu unisse as minhas mãos às tuas!...
 
 
 
 

"Minha boca tem rosas desmaiadas,

E as minhas pobres mãos são maceradas

Como vagas saudades de doentes..."
 
 
 
 
 
REALIDADE




Em ti o meu olhar fez-se alvorada,

E a minha voz fez-se gorjeio de ninho,

E a minha rubra boca apaixonada

Teve a frescura pálida do linho.



Embriagou-me o teu beijo como um vinho

Fulvo de Espanha, em taça cinzelada,

E a minha cabeleira desatada

Pôs a teus pés a sombra dum caminho.



Minhas pálpebras são cor de verbena,

Eu tenho os olhos garços, sou morena,

E para te encontrar foi que eu nasci...



Tens sido vida fora o meu desejo,

E agora, que te falo, que te vejo,

Não sei se te encontrei, se te perdi...